segunda-feira, 27 de março de 2017

Agricultura chegou à Península Ibérica através do Mediterrâneo



As investigadoras Joana Pereira e Luísa Pereira, da Universidade do Porto

Investigadores do Porto reconstituíram a história daqueles primeiros agricultores ibéricos através do estudo genético de amostras atuais da população das várias regiões em causa

Investigadores do Porto reconstituíram a viagem dos primeiros agricultores que chegaram à Península Ibérica, há 7500 anos, recorrendo a estudos genéticos. Com isso, a equipa coordenada por Luísa Pereira, do instituto de investigação I3S, da Universidade do Porto, conseguiu comprovar que essa primeira rota foi feita através do Mediterrâneo, e não por terra, pondo assim termo a um mistério: o da aparente rapidez com os povos agrícolas oriundos do Médio Oriente chegaram às terras mais ocidentais do continente europeu.

"Estudando as linhagem genéticas atuais, através de amostras de 200 indivíduos, conseguimos fazer essa viagem ao passado, lendo e datando as pequenas alterações que essas linhagens sofreram através das gerações", explica ao DN Luísa Pereira, que coordenou o trabalho, juntamente com o investigador Martin Richards, da Universidade de Leeds, no Reino Unido. Joana Pereira é a principal do estudo, que resulta do seu próprio doutoramento, e que foi publicado ontem na revista Proceedings of the Royal Society B.

Os achados arqueológicos mais antigos que documentam a atividade agrícola na Península Ibérica, entre restos de cerâmicas, de utensílios ou de ossos de animais domesticados, como ovelhas e cabras, datam de há 7500 anos. Em Itália, por outro lado, os vestígios mais antigos desse tipo têm cerca de oito mil anos, o que muito intrigava os arqueólogos. Como teria sido possível que esse movimento populacional só tivesse levado 500 anos a completar-se, entre a Itália e a Península Ibérica, sendo a distância tão grande?

"O arqueólogo português João Zilhão propôs um modelo, apontando a possibilidade de essa viagem ter sido feita por via marítima, através do Mediterrâneo", conta Luísa Pereira, sublinhando que o estudo da sua esquipa veio agora "confirmar exatamente isso".

Usando amostras de ADN mitocondrial (a informação genética que existe na mitocôndria, uma pequena estrutura celular) que é transmitido por via exclusivamente materna, a equipa conseguiu encontrar em Itália, na região da costa oriental, o elo comum que deslinda a questão, mostrando que a chegada dos primeiros agricultores a esta ponta do Velho Continente foi feita por via marítima.

O que esta história genética conta é que esses agricultores, chegados a Itália há oito mil anos, se misturaram aí com as populações locais, transmitindo-lhes também os novos conhecimentos que traziam. E foi depois dessa mistura de povos que saíram, então, os agricultores que, 500 anos depois, acabaram por se estabelecer em vários pontos da costa sul da Península Ibérica: por toda a zona de Barcelona, Valência, Málaga, costa sul de Portugal ou região do Sado. A exceção é a costa norte da Península Ibérica, onde apenas se encontram vestígios mais tardios de agricultura, o que poderá explicar-se por uma migração diferente, feita já internamente, através do território da península.

"Os nossos dados mostram outra coisa interessante, que é o facto de aquele grupo que se instalou na região de Itália, vindo do Médio Oriente, ter sido relativamente reduzido", diz Luísa Pereira.

Ou seja, não se tratou de uma grande migração, mas de um pequeno grupo, o que mesmo assim foi suficiente para que os povos que viviam naquelas paragens adotassem a nova cultura agrícola. "O que aconteceu foi sobretudo a adoção por parte da população local das novas práticas e vivências que esses grupos traziam consigo", sublinha a investigadora, notando que isso se repetiu também na península. Os que chegaram até cá através do Mediterrâneo eram um grupo relativamente pequeno. Mas, uma vez mais, os povos locais adotaram os novos conhecimentos e práticas que, assim, se disseminaram.

Para o grupo de Luísa Pereira, que desde 2006 dirige no IPATIMUP, agora integrado no I3S, um grupo de investigação sobre diversidade genética, o que se segue agora, nesta linha de investigação, é tentar perceber melhor como se deu a expansão da agricultura para o Norte de África. "Os vestígios mais antigos ali são de há cerca de seis mil anos e portanto é possível que ela tenha lá chegado a partir da Península Ibérica. É o que vamos tentar verificar".

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