quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

A Agricultura em Portugal. Será possível conciliar a tentativa de autossuficiência em produtos agrícolas com o aumento da área de agricultura biológica?

OPINIÃO

J. Quelhas dos Santos

Prof. Cat. Jubilado do I.S. de Agronomia

No início de setembro último, alguns Órgãos de Comunicação Social transmitiram, com
uma diferença de 2 a 3 dias, afirmações de dois dos mais altos responsáveis do
Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural que, sob pena de se
criarem ilusões e/ou se estimularem certas práticas agrícolas, devem ser esclarecidas. É,
apenas, com este último objetivo que, face á responsabilidade inerente ao que durante
cerca de 50 anos ensinámos e escrevemos apresentamos, numa breve síntese, algumas
considerações sobre a pergunta formulada no título deste artigo.

Vejamos, em primeiro lugar, o problema da hipotética autossuficiência do país em
produtos agrícolas.

Supomos ser do conhecimento geral que, sobretudo em consequência dos avanços
verificados com a descoberta e divulgação de novos fatores de produção vegetal,
nomeadamente no que respeita ao maior potencial genético de produção das espécies
cultivadas e à criação de melhores condições de nutrição e defesa das plantas, tem sido
possível obter acentuados aumentos de produção unitária nas culturas efectuadas na
quase totalidade dos condicionalismos edafoclimáticos predominantes no país. Mesmo
assim, como também é do conhecimento geral, o país continua a apresentar um elevado
deficit de alimentos de origem vegetal. Daí que não seria de estranhar (pessoalmente até
aplaudiríamos com muito entusiasmo) se ouvíssemos os nossos governantes
reconhecerem uma tal realidade e que, por isso, iriam ser tomadas medidas suscetíveis
de contribuírem para aumentar o reduzido grau de autossuficiência que, em relação
àqueles produtos, ainda se se verificava em Portugal.

Acontece, porém, que apenas foi dito (ou, pelo menos, escrito e não desmentido) que
«Portugal tem condições para ser autossuficiente em produtos agrícolas».
Ora uma tal afirmação, embora admissível num contexto de natureza política, não pode
considerar-se correta em termos económico e/ou técnico científicos.

De facto, quaisquer tentativas para se obter a autossuficiência teriam de passar,
necessariamente, por um elevado aumento das actuais áreas das nossas principais
culturas e/ou das suas produções unitárias.

Quanto á primeira hipótese, temos as maiores dúvidas de que, em termos económicos
(e até mesmo ecológicos), seja aconselhável, para as culturas tradicionais,
nomeadamente dos cereais de outono/inverno, aumentar as áreas para valores
semelhantes aos que se verificavam até à entrada em vigor da vulgarmente chamada
PAC (Política Agrícola Comum). Na realidade, supomos ser bem conhecido o facto de,
para as condições agroclimáticas predominantes no País, as produções unitárias obtidas,
na grande maioria dos casos, continuariam a ser demasiado baixas para suportarem, em
termos de custos de produção, a concorrência com as que se verificam na quase
totalidade dos outros países de UE. Aliás, um tal procedimento viria também, em
muitos casos, a contribuir para um aumento da sua já elevada fragilidade ecológica,
nomeadamente em termos de erodibilidade dos solos. Acreditamos, isso sim, que, com
as necessárias precauções em termos ecológicos e económicos, se devam apoiar os
passos que estão começando a ser dados quanto á instalação de algumas «novas
culturas», as quais parece terem mercado garantido e, de um modo geral, com condições
de produção mais favoráveis relativamente às da maior parte dos outros países de UE.
Já no que se refere à obtenção de maiores produções unitárias, cremos que ainda será
certamente possível (sempre que não existam factores limitantes que, em termos
práticos e/ou económicos, seja desaconselhável remover) aumentar consideravelmente a
influência do uso dos já citados factores de produção. Para isso, terá de se recorrer, cada
vez mais, ao cultivo de espécies geneticamente mais produtivas e, sempre que possível,
mais capazes de se defenderem das pragas e doenças, de serem mais resistentes a certas
características desfavoráveis dos solos (nomeadamente reacção e salinidade) e dotadas
de maior capacidade de absorção dos nutrientes existentes de forma natural nos solos ou
neles incorporados sob a forma de adubos e outros fertilizantes.

Acontece porém, que aquelas condições, na sua quase totalidade, não podem ser
adoptadas quando se pratica a vulgarmente chamada «agricultura biológica»; e sendo
assim, enquanto persistirem as limitações impostas por aquele modo de fazer
agricultura, a resposta à pregunta que inicialmente formulámos não pode deixar de ser
negativa.

Na realidade, não será de esperar maior disponibilidade de alimentos vegetais através do
aumento das produções unitárias enquanto persistirem certos preconceitos quanto à
cultura de espécies geneticamente modificadas, (nomeadamente no que se refere aos
chamados transgénicos), e ao uso dos factores associados à possibilidade de as plantas
disporem de melhores condições de nutrição e de defesa contra pragas e doenças.
Em relação aos transgénicos, subscrevemos sem reservas um artigo escrito por um
mundialmente conhecido cientista, Prof. António Coutinho, num jornal online,
OBSERVADOR, em 4 de Agosto de 2015. Tem o título: «E AGORA O QUE VÃO DIZER OS
OPOSITORES AOS TRANSGÉNICOS?» Embora consideremos de grande interesse a leitura,
atenta de todo o artigo, limitamo-nos a transcrever, apenas, os dois primeiros
parágrafos: «Lobby muito poderoso e vocal, promotor frequente de arruaças, o
movimento anti transgénico é fruto de uma total irracionalidade. Há ambientalistas que
respeitam a racionalidade e conhecem a ciência, mas também há ambientalistas que se
guiam apenas por chavões adoptados de interesses politiqueiros ou mesmo arruaceiros,
sem fazerem a mínima ideia do que estão a falar. Têm o seu direito, naturalmente,
longe de mim a ideia de proibir esta, entre tantas outras, irracionalidades. Na batalha
contra a ignorância e a superstição não há melhor arma que a educação. E terá de ser
por aí que os faremos desaparecer. Preocupa-me, todavia, que o peso mediático e
consequentemente político dos lobbies que constituem tem graves consequências para o
progresso do conhecimento e da economia».

Acrescentaríamos, apenas, que nesta e nas outras áreas afins, os estudos deverão
continuar e intensificar-se, procurando seguir-se, sempre, o princípio da precaução
máxima. Mas, não seria mais cómodo e seguro actuar de acordo com princípio do risco
zero, isto é, considerar que nem é preio investigar? É evidente que não, uma vez que
este princípio, como parece óbvio, é cientificamente paralisante! Recomendamos,
naturalmente, se investigue de acordo com o princípio da precaução máxima
Quanto às limitações impostas pela agricultura biológica ao uso dos adubos de síntese
mineral, mantemos aquilo que por diversas vezes temos escrito e dito: não há qualquer
razão, com base científica, que justifique a proibição daqueles fertilizantes. Tanto
quanto sabemos, não ocorreu, entretanto, qualquer descoberta suscetível de por em
causa o que escrevemos no mais recente artigo publicado (AGROTEC, nos18 e 19,
2016, p. 34-39 e 39-43), mais concretamente no capítulo FERTILIZAÇÃO E AMBIENTE (p.
40-42 do no 19):
«Quanto ao problema das interacções adubação/ambiente, não é possível e também já
não parece indispensável (o que penso sobre este tema está amplamente divulgado em
praticamente todas as minhas mais recentes publicações) analisar os vários aspectos
potencialmente envolvidos. Por isso, irei fazer apenas uma referência, em termos
comparativos, às diferenças que, podem estar associadas ao uso dos fertilizantes
minerais/corretivos orgânicos. Aliás, no que se refere aos primeiros, irei limitar-me aos
adubos que veiculam azoto em formas minerais, isto é, aos chamados adubos de síntese
mineral, uma vez serem estes os que, com mais frequência, são apontados como
susceptíveis de causarem poluição do ambiente e de diminuírem a qualidade dos
produtos vegetais.

No que se refere à poluição ambiental (solos, águas, atmosfera), parece-nos muito fácil
demonstrar que os potenciais problemas de poluição não decorrem de se ter usado um
ou outro fertilizante, mas sim da forma como é utilizado em termos dos já referidos
parâmetros associados à quantidade, qualidade, época e técnica de aplicação.
É certo que o azoto, devido ao seu caráter acentuadamente dinâmico e aos seus efeitos
mais espetaculares na vegetação, se torna mais suscetível de ser usado em excesso,
facilmente se verifica que, quando presente em elevada concentração na solução do
solo, pode contribuir para criar desequilíbrios nutritivos (com reflexos eventualmente
desfavoráveis em termos de quantidade e/ou de qualidade das produções), provocar
exagerado enriquecimento das águas em nitratos, aumento da salinização secundária
dos solos e poluição da atmosfera quando haja condições que favoreçam a
desnitrificação ou a libertação de amoníaco. No entanto, facilmente se demonstra que
tais fenómenos só poderão ter lugar quando a aplicação daquele nutriente não se faça
corretamente, isto é, quando em face de um determinado potencial de produção
esperado e das características do solo e do clima, não se utilizem as quantidades que,
sendo as necessárias, sejam apenas as suficientes; ou quando não se utilizem, como
veículo do nutriente, as combinações químicas mais aconselháveis; ou, ainda, quando a
época e/ou a técnica de aplicação não sejam as mais recomendáveis. De facto, uma vez
que só o azoto mineral que, por exceder largamente as exigências da cultura num
determinado momento, se acumula na solução dos solos, é suscetível de causar os
danos ambientais atrás referidos, o problema passa por ser ou não possível, com o uso
de adubos de síntese mineral, evitar tais acumulações.

Por outro lado, é fácil demonstrar que, com a utilização dos adubos de síntese mineral,
muitos dos inconvenientes potencialmente associados ao azoto podem até ter menor
extensão do que se apenas forem usados produtos orgânicos. Assim, mesmo quando o
condicionalismo definido pelo potencial de produção e pela possibilidade de usar
outros fatores produtivos (rega e drenagem, pesticidas, etc.) aconselhar a aplicação de
grande quantidade de azoto, será sempre possível evitar, até com maior certeza, a
acumulação de azoto no solo. Para tanto bastará proceder de modo a aumentar o
coeficiente de absorção daquele nutriente pelas plantas, recorrendo, nomeadamente a:
utilizar os adubos várias vezes com pequenas quantidades de cada vez; fraccionar as
coberturas, praticar a fertirrigação no solo ou mesmo em pulverização; usar adubos de
libertação gradual, sobretudo aqueles cujo ritmo de libertação do azoto, por depender
da temperatura, aumentem a libertação quando também aumentam as exigências de
absorção por parte da planta.

Haverá um aumento de encargos? Certamente que sim. Mas não deve esquecer-se que
naquelas situações em que tenham de se utilizar quantidades de azoto muito elevadas
haverá, certamente, maior capacidade para as explorações suportarem os encargos
com a adubação.

Ainda a propósito dos potenciais inconvenientes causados pelos adubos de síntese
mineral, não posso deixar de, mais uma vez, fazer um breve comentário sobre o
fornecimento de azoto às culturas na impropriamente chamada «agricultura
biológica». Afirmam os defensores daquele modo de produção que o azoto tem de ser
fornecido em formas orgânicas, uma vez que estas, sofrendo uma mais gradual
libertação do azoto, contribuem para que, mediante um mais apropriado sincronismo
entre a libertação e a absorção pelas plantas, evitaria as acumulações suscetíveis de
provocarem, em termos ecológicos, algum ou alguns dos inconvenientes atrás
mencionados.

Acontece, porém, que esta suposição nem sempre será verdadeira, a não ser que se
controle, com um pormenor que não me parece possível em termos práticos e/ou
económicos, a taxa de mineralização da matéria orgânica de modo que a quantidade de
azoto libertado seja, sempre, muito semelhante á taxa de absorção pelas culturas. De
facto, na prática, sendo impossível usar materiais que tenham, forçosamente, o mesmo
ritmo de mineralização e de este variar com as condições ambientais, nomeadamente a
humidade e temperatura do solo, será muito frequente ocorrerem situações em que as
plantas poderão não dispor do azoto suficiente para satisfazerem as suas exigências
numa determinada fase do desenvolvimento vegetativo; ou, ao invés, casos em que o
ritmo de mineralização daquele nutriente exceda o ritmo de absorção, tal facto
conduzindo, como é óbvio, a acumulações na solução do solo e, deste modo, poderem
ter os mesmos inconvenientes já antes mencionados. Podem mencionar-se, a título de
exemplos mais significativos, as acumulações de nitratos nas águas no fim do verão
(sempre que as plantas, mesmo que ainda presentes, já praticamente não absorvam
nutrientes) e a seguir a desflorestações (em que o equilíbrio entre a absorção pelas
árvores e a mineralização da matéria orgânica existente sob o coberto vegetal é
desfeito e passa a haver azoto disponível para, se ocorrerem chuvas, ser transferido
para as águas).

Em resumo, não tem qualquer suporte científico a exclusão dos adubos azotados
(obtidos, por definição, através de síntese mineral) na chamada agricultura biológica.
Aliás, e ainda a este respeito, consideramos absolutamente inaceitável que na
agricultura «biológica» não possa utilizar-se um adubo chamado ureia, pelo simples
facto de ser obtida por síntese mineral, e ser admitida, porventura até incentivada, a
utilização de dejetos e excrementos animais, onde o azoto se encontra,
predominantemente, na mesma combinação química. Também em relação às urinas e a
outros dejetos dos animais, é conveniente não deixarem de se considerar os receios,
que esperamos sejam infundados, de poderem vir a atuar como veículos de transmissão
de doenças. Ainda a este propósito, convém não esquecer que, tal como também se
depreende do que já antes foi referido, se numa determinada situação existissem
fertilizantes «naturais» suficientes para garantirem as produções unitárias nos níveis
físico e económico que hoje têm de se exigir, as quantidades a aplicar teriam de ser de
tal modo elevadas que, provavelmente, iriam ainda ser mais desfavoráveis em termos
ecológicos. Recorde-se, a título de exemplo, o facto de alguns corretivos orgânicos
poderem conter apreciáveis quantidades de metais pesados e de microrganismos
patogénicos, nomeadamente, salmonella e Escherichia Coli. Quanto a esta última, que
há cerca de dois anos causou graves problemas de saúde na Europa, talvez não seja
mera casualidade o facto de, pelo menos nalguns casos, ter sido associada a produtos
alimentares obtidos em «agricultura biológica».

Significará isto que eu não admito a utilização daqueles novos corretivos
orgânicos?Bem pelo contrário. Não só admito como defendo, com muita convicção, que
aqueles produtos podem e devem ser usados na agricultura, uma vez que: i)
normalmente, contêm elevados teores de matéria orgânica, substância que, como é do
conhecimento geral, tem grande interesse para todos os aspectos (físicos, químicos e
biológicos) da fertilidade dos solos e, na maior parte do País, sobretudo por razões
associadas ao clima predominante, a sua taxa de mineralização é elevada: ii) a
disponibilidade dos antigos corretivos orgânicos, quase sempre identificados com os
estrumes, tende a ser cada vez menor; iii) tratando-se de produtos que, se não forem
tratados, são susceptíveis de causar impactes negativos no ambiente, o seu correto uso
como fertilizantes constituirá um meio de efectuar, ou pelo menos completar, o seu
tratamento.

Aliás, sobretudo nos casos em que os produtos contêm mais elevados teores de
nutrientes (como acontece, nomeadamente, com os estrumes de aviário, lamas de ETAR
e fracção sólida dos chorumes), naquelas condições em que possam usar-se, com
segurança, em maiores quantidades, a sua aplicação poderá também disponibilizar
quantitativos de nutrientes suscetíveis de permitirem uma apreciável redução da
adubação mineral, o que, como é óbvio, traria vantagens económicas e, sobretudo,
ecológicas.

De notar, também, que alguns corretivos orgânicos podem ter efeito significativo na
correção da acidez dos solos É o caso, nomeadamente, das chamadas lamas celulósicas
primárias, isto é, de lamas que não foram submetidas a tratamentos posteriores. De
facto, aquelas lamas, pelo facto de apresentarem grande quantidade de compostos
cálcicos alcalinizantes e muito baixos teores de azoto (se tivessem muito azoto, este, ao

nitrificar-se, iria acidificar o solo, isto é, anularia, ou pelo menos diminuiria em
elevada extensão, o efeito alcalinizante), contribuem para a correcção da acidez. Refiro
este aspecto com o objetivo de chamar a atenção para o facto de, ao contrário do que
normalmente se admite, haverá situações em que o maior teor de azoto de um
determinado corretivo orgânico pode não determinar, forçosamente, uma mais-valia
em termos de contributo para a fertilidade global do solo.

Ainda a propósito do diferente ritmo de cedência do azoto pelos adubos minerais e
pelos fertilizantes orgânicos é provável que, em determinadas situações, possa ser mais
cómodo utilizar estes últimos. É o caso, por exemplo, de plantas que sejam muito
sensíveis à salinidade, como acontece com muitas das plantas florícolas e medicinais/
aromáticas (que creio terem uma expressão nesta Região). Embora os adubos minerais,
em tais casos, também possam continuar a ser usados, desde que se apliquem com mais
frequência e em pequenas quantidades de cada vez (sobretudo quando se utilize
fertirrigação), o uso de corretivos orgânicos deverá ser mais prático. Por outro lado,
nunca devemos esquecer que haverá condicionalismos de clima, solo e planta em que a
influência positiva da matéria orgânica, por exemplo em aspectos relacionado com a
melhoria da estrutura e o aumento da temperatura do solo, determinará a necessidade
de se proceder ao uso de fertilizantes que veiculem aquela substância. Tais fertilizantes,
porém, deverão ter a garantia de que, ou pela sua natureza e origem, ou pelos
tratamentos a que previamente tenham sido submetidos, não veiculem substâncias
nocivas para a saúde. Este aspecto, como facilmente se deduz, assume particular
interesse no caso de muitas plantas incluídas nas vulgarmente designadas
aromáticas/medicinais.

Quanto ao problema da hipotética influência negativa dos adubos minerais na
qualidade dos produtos vegetais eu creio que, quando se fala de qualidade dos
produtos vegetais, é muito frequente misturarem-se conceitos suscetíveis de conduzir a
interpretações que, quase sempre, poderão ser pouco corretas. Também não irei entrar
em pormenores (até porque não é uma área em eu me sinto muito á vontade) mas,
mesmo assim, eu lembraria que há uma qualidade objectiva (já hoje suscetível de, em
certa extensão, poder ser avaliada em função de determinados parâmetros), uma
qualidade subjetiva (que está associada aos gostos particulares dos diferentes
consumidores) e áquilo a que chamaria uma qualidade fundamentalista (a qual,
provavelmente, apenas terá a ver com preconceitos, quase sempre de natureza
ideológica). De qualquer modo, e atendendo ao que já antes se disse, o uso incorreto de
determinados corretivos orgânicos pode até ser mais prejudicial uma vez que pode
afectar a qualidade sanitária, o que, com é óbvio, terá consequências bem mais graves.
Em tais casos, como se disse, será indispensável o tratamento prévio.

Ainda em relação aos potenciais efeitos nocivos do uso de adubos minerais, há quem,
indo mais longe nas críticas à diminuição da qualidade do ambiente, também lhes
atribua responsabilidade nas alterações climáticas. A este respeito, apenas quereria
salientar dois factos: i) não está cientificamente provado que as alterações climáticas
devam ser atribuídas à atividade humana; ii) as mudanças existirão sempre, já que,
como escreveu Heráclito há mais de 2000 anos, no mundo nada é constante senão a
mudança.

Devemos procurar não acelerar as mudanças; mas, tentar evitá-las, creio que não
passará de um mito»!

Às considerações que foram apresentadas, acrescentaríamos hoje mais um
esclarecimento relativo ao problema da ureia. Este adubo, embora incluído, nos adubos
de síntese mineral, é, na realidade um adubo orgânico. De facto, a sua composição
química, representada pela fórmula CO(NH2)2 corresponde a uma carbodiamida. Foi,
aliás a descoberta, feita por Wohler em 1828, de que este produto orgânico podia ser
obtido através de síntese mineral, que viria a destruir o Princípio da força vital, de
acordo com o qual os produtos orgânicos só podiam obter-se a partir de compostos
orgânicos; e daí que as plantas só pudessem alimentar-se de compostos orgânicos.
Como se sabe, poucos anos depois, graças aos trabalhos de Sprengel e Liebig, foi
definitivamente provado que as plantas, através das raízes absorviam os nutrientes na
forma mineral, tal facto conduzindo à descoberta e uso dos adubos minerais. Por outro
lado, ainda a propósito da ureia, convém notar que ela é fabricada com base na reação
do amoníaco (NH3) com o anidrido carbónico (CO2). Quer dizer, a obtenção industrial
daquele adubo até irá contribuir para a diminuição de um dos gases responsáveis pelo
vulgarmente chamado efeito de estufa.

No que se refere ao problema do não uso de grande parte dos pesticidas na «agricultura
biológica», limitamo-nos a lembrar o facto de, no nosso país, terem já sido realizados
importantes trabalhos que cremos permitirem indicar, com segurança, as suas condições
de utilização em termos do quanto e como aplicar. Lembramos, a propósito dos
pesticidas (e, em boa verdade, de praticamente todos os outros fatores de produção), a
frase escrita por Paracelso no princípio do séc. XVI: «A diferença entre um remédio e
um veneno é apenas uma questão de dose».

NOTA FINAL

Quem se tiver dado ao trabalho de ler o que atras foi apresentado, e sobretudo se
também já tiver lido ou ouvido o que, sobre o mesmo assunto, várias vezes dissemos,
fará, muito provavelmente, uma pergunta: o autor não devia estar já convencido de que
é inútil continuar a defender uma causa perdida? Acontece porém que,
independentemente de admitirmos ou não ser uma causa perdida, enquanto não
existirem provas científicas de que estamos enganados, continuaremos a defender essa
causa. Pode ser que, ao menos, possa dar um contributo, provavelmente modesto, para
que os responsáveis pela tomada de decisões políticas e os professores responsáveis
pelo ensino das matérias envolvidas tenham uma maior precaução quanto a um
problema que consideramos básico: seleccionar as opiniões veiculadas pelas várias
fontes de informação, com as quais hoje em dia temos de lidar. Para isso, será
necessário o quê? Intensificar e divulgar a formação. Não estamos, como é óbvio, a
dizer algo que não tenha já sido dito. Quando, há quase 17 anos, atingimos a jubilação,
durante um simpático convívio que quiseram proporciona-nos, tivemos ocasião de dizer
e posteriormente escrever, a propósito do como ensinar: «Será que algo do que eu
recomendo, efectivamente, se vai passar? Tenho muitas dúvidas, uma vez que agora até

já se vai dizendo que todos os problemas (incluindo, naturalmente, o do ensino) serão
resolvidos através da ligação à Internet? Será que não se estarão a esquecer de que a
Internet dá muito mais informação do que formação e de quanto mais abundante e
diversificada for a informação maior terá de ser a necessidade de a seleccionar e que,
para isso, será também necessária mais formação?».

Somos, portanto, defensores de que, não só neste como em muitos outros domínios
científicos, as acções de formação/divulgação a levar a efeito, sobretudo pelas
Universidades e Escolas Superiores Agrárias, continuam a ter plena justificação. Daí
que, neste caso, não podemos deixar de aplaudir a opinião do Ministério da Agricultura
quando, através de um dos seus mais altos responsáveis, disse, mais recentemente, ser
necessário intensificar as acções de formação/divulgação entre os Estabelecimentos de
Ensino atrás referidos, junto dos nossos Técnicos regionais e Agricultores. Apenas nos
permitimos fazer uma advertência: essas acções têm encargos adicionais que, tanto
quanto sabemos, não podem ser suportadas nem pelos formadores nem pelos
formandos. Aliás, a este respeito, tem de reconhecer-se que o panorama é hoje bastante
mais desfavorável do que quando no País existiam diversas Empresas, nomeadamente
no sector adubeiro, que subsidiavam grande parte daquelas acções. Duvidamos que o
Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior tenha disponibilidades. Já no que
respeita ao Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, talvez
pudesse dar alguma ajuda através do que, no domínio em análise, consideraríamos mais
lógico em termos de atribuição de subsídios. Fazemos uma sugestão: retirar, pelo menos
em parte, os que são dados a quem não utilize determinados factores produção
(agricultura dita «biológica») e atribuí-los a quem se proponha estudar e divulgar a sua
mais correta forma de, em termos físicos/económicos e ecológicos, poderem contribuir
para uma agricultura sustentável.

Entretanto, limito-me louvar e, na medida do possível, incentivar as acções de
formação/ informação que neste domínio têm sido levadas a efeito pela Sociedade de
Ciências Agrárias de Portugal (SCAP), fazendo votos para este trabalho possa ser
continuado e, sempre que possível, também desenvolvido por outros «Voluntários».

Lisboa, dezembro de 2016

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