quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Buraco financeiro da agricultura portuguesa subsidia transgénicos


Esta falta de verbas compromete, obviamente, o fomento de medidas agroambientais de agricultura biológica e produção integrada previstas nas portarias que regulavam estes apoios
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17 Fevereiro 2016 • André Silva

Os dilemas orçamentais e as escolhas políticas que os originam provocam-me inquietações, principalmente quando custam aos contribuintes módicas quantias no valor de 200 M€. Existe um buraco financeiro deste valor, na agricultura portuguesa, que foi criado pelo anterior Executivo ao prometer um reforço não autorizado para o Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2020). Esta falta de verbas compromete, obviamente, o fomento de medidas agroambientais de agricultura biológica e produção integrada previstas nas portarias que regulavam estes apoios.

E aqui começa o cerne deste complexo dilema uma vez que estas decisões acontecem à revelia dos portugueses que desconhecem, grande parte das vezes, o conteúdo e a gravidade das alterações de portarias realizadas à "porta fechada", com uma descrição admirável, e que nos chegam como factos consumados. É que o anterior programa (Portaria n.º 229-B/2008, de 6 de Março) que terminou em 2014 previa que não fossem atribuídos quaisquer apoios a cultivos transgénicos e o actual (Portaria n.º 25/2015 de 9 de fevereiro) é omisso quanto a esta questão, o que permite que os produtores de milho transgénico, o único OGM (Organismo Geneticamente Modificado) permitido em Portugal, se candidatem a estes fundos com plantações de regadio no Ribatejo e Alentejo.

É uma incógnita perceber de que forma o Ministro do Ambiente pretende honrar o compromisso assumido de "não suspender nenhum pagamento e não deixar de pagar nenhuma medida agroambiental" se as verbas que deviam ser comprometidas para um incentivo consistente à agricultura portuguesa estão a ser canalizadas para monstros corporativos especializados nas mais "rebuscadas" ameaças químicas do planeta, na uniformização e controlo da cadeia alimentar e no patenteamento de sementes, como a Monsanto.

Os cidadãos e contribuintes portugueses estão, portanto, a financiar a poderosa e perniciosa indústria mundial dos transgénicos e o mais alarmante é que a utilização de milho transgénico em regadio contraria os objectivos do programa e da actual portaria, nomeadamente os que pretendem "restaurar, preservar e reforçar a biodiversidade; melhorar a gestão da água, dos fertilizantes e dos produtos fitofarmacêuticos; prevenir a erosão dos solos".

Certo será, e espero estar redondamente enganado nestas previsões, que esta falta de coerência que permite financiar abertamente a perda de biodiversidade e disponibilizar verbas tão elevadas para o cultivo de transgénicos, não terá agora verbas para apoiar os pequenos agricultores e os modos de produção em agricultura biológica, que se assumem cada vez mais como uma oportunidade para a agricultura portuguesa.

Para além disto, a possibilidade de admissibilidade e elegibilidade de culturas transgénicas provocou uma enorme afluência de candidaturas às medidas agroambientais, o que fez ultrapassar largamente as dotações, privilegiando uma vez mais os grandes projectos e prejudicando os pequenos agricultores e todos aqueles que pretendem fazer agricultura biológica e se vêm impossibilitados.
 
Faltam verbas este ano para as candidaturas à medida agro-ambiental de agricultura biológica pois foram comprometidas nos grandes projectos de milho transgénico de regadio. E isto em nada tem a ver com o cumprimento da legislação comunitária relativa aos OGM's, conforme referiu o Primeiro-ministro, António Costa, tem sim a ver com a reposição da justiça e a ética no regime de aplicação do programa para que os montantes dos apoios para áreas de produção cultivadas com organismos geneticamente modificados (OGM) voltem a ser de valor nulo o que possibilitaria a sustentabilidade da operacionalização dos fundos do PDR2020.

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Perfil
Nasceu em 2 de Abril de 1976, no dia da publicação da actual Constituição da República Portuguesa, na extinta freguesia de São Cristóvão e São Lourenço. Estudou em Coimbra, onde se formou em Engenharia Civil e ganhou consciência política nos ambientes das tertúlias e de discussão constante, vivendo sempre à margem dos movimentos partidários convencionais. Foi voluntário e vice-presidente da Linha SOS Estudante, um serviço de atendimento telefónico de apoio emocional e de prevenção do suicídio. Já a trabalhar, foi-se especializando em recuperação do património arquitectónico e artístico, tendo publicado alguns artigos científicos e o livro Conservação e Valorização do Património - Os Embrechados do Paço das Alcáçovas, em 2012, pela editora Esfera do Caos.

André Silva, 39 anos, casado, pratica mergulho e biodanza. Vive em Lisboa, numa casa com uma horta de 50 metros quadrados onde pratica técnicas permaculturais e faz compostagem. É vegetariano e tem um companheiro cão chamado Nilo. 

É militante do PAN desde 2012. Depois de ler o manifesto do PAN assumiu o compromisso consigo próprio de contribuir para que o partido fosse o mais longe possível, porque acreditou que o PAN tem um papel a desempenhar no aprofundamento da democracia em Portugal, defendendo activamente as três causas (humana, animal e ecológica) como uma só, pela sua indissociabilidade, e mostrando, pelo exemplo, que uma democracia mais participativa é possível e desejável, e que através da mesma se contribui para uma existência mais harmoniosa, em respeito pelo próximo, humano ou não humano, bem como pela natureza.

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