quarta-feira, 26 de junho de 2013

A Fileira do Tomate Industria tem futuro?

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Ilídio Martins

A produção de tomate para indústria em Portugal deveria ser um caso de
estudo, que para políticos e decisores, poderia ser exemplar.

Os agricultores que hoje produzem tomate para abastecer o sector
industrial de transformação deste produto são profissionais altamente
qualificados e com provas dadas de grande capacidade empresarial.
Estes agricultores atingem produções ao nível ou acima da média
mundial, demonstrando que podemos e conseguimos produzir em
quantidade, com qualidade.

Portugal em 2012 foi o 4º maior exportador mundial de concentrado de
tomate, produzindo 1,2 milhões de toneladas, sendo reconhecido
internacionalmente a excelência da qualidade do nosso produto. Com a
entrada em funcionamento do sistema de rega de Alqueva poderíamos
aumentar consideravelmente a produção.

Apesar disto, nesta altura, corre-se o risco desta fileira
desaparecer. Parece estranho que assim seja, mas de facto, tal pode
acontecer, …. e não será por culpa dos agricultores.

Ao nível do agricultor a grande mudança deu-se em 1996 com a
obrigatoriedade de pertencerem a um agrupamento/organização de
produtores para poderem comercializar as suas produções. Foi uma
imposição a nível da união europeia que, obrigando a deveres, também
veio proporcionar muitos benefícios aos produtores de tomate. Em
muitas regiões esta obrigação foi uma oportunidade de trabalharem em
conjunto, de ganharem escala, de evoluírem tecnologicamente, de serem
acompanhados por técnicos especializados e de poderem negociar melhor
com os fornecedores e com a indústria.

Como fundador de uma dessas organizações acompanhei todo o processo e
posso afirmar que de facto foi positivo, tendo-se transformado um
sector agricola desorganizado, disperso e amador, numa fileira
produtiva altamente especializada, com capacidade de organização
conjunta, com todos os meios necessários para dar resposta á
necessidade da industria.

No caso da AlenSado, em 1996 a média produtiva era de 40 t/ha, apenas
em 25% da área eram utilizadas plantas seleccionadas produzidas em
viveiro certificado, apenas 30% da área cultivada foi regada com
sistema gota a gota, penas 5% da produção foi colhida por máquinas
especializadas e o transporte para as indústrias efectuou-se com
viaturas de pequena tonelagem, de forma desorganizada, gerando o caos
nas entregas, com graves prejuízos na qualidade do produto. Não
existia qualquer registo ou planeamento da produção, nem controlo dos
adubos e fitofármacos aplicados.

Hoje, nesta organização de produtores toda a área de tomate produzida
pelos associados obedece a um plano de produção rigorosamente
concebido, planeado e acompanhado por técnicos. A escolha das
variedades, a produção das plantas, a época de plantação e o seu
escalonamento, e os produtos agroquimicos utilizados e todos os
factores de produção, ou são fornecidos, ou são aconselhados pela
AlenSado, sendo feito um acompanhamento e um controle produtivo
permanente, por forma a que seja obtida, por parte de cada associado,
uma produção de qualidade e em quantidade, de acordo com as exigências
da industria e com pleno respeito pelas regras ambientais. Hoje esta
cultura está plenamente mecanizada, desde a plantação até à colheita.
As colheitas são coordenadas com os transportes, de acordo com o
planeamento efectuado conjuntamente com a indústria. A média produtiva
situa-se nas 100 t/ha de tomate indústria com certificação de
qualidade Globalgap.

Os agricultores fizeram o seu trabalho, investiram, mudaram, evoluíram
e obtiveram resultados.

Mas estamos na Europa e em Portugal. Produzir muito, produzir com
qualidade pode não ser suficiente se a estrutura de custos for
insuportável e se o preço pago pela indústria estiver ao nível tão
baixo que não permita suportar esses custos. Hoje um Kg de tomate
entregue na industria vale em média 0,075 €, quando em 1996 valia
0,095 €, sabendo-se que em 17 anos todos os factores de produção têm
aumentado anualmente. Hoje produzir um ha de tomate é um pesado
investimento e um investimento de alto risco. Em média, será
necessário investir 6000 a 6500 €/ha, esperando que S.Pedro seja
benévolo ou que não ocorra qualquer anormalidade que permita obter
pelo menor 90 t/ha para poder recuperar o investimento e poder obter
alguma remuneração do seu trabalho. É um risco demasiado elevado, com
muito pouca "rede" uma vez que os seguros ou não existem ou estão
desenquadrados das reais necessidades de cobertura, sendo cada vez
menos os agricultores que se dispõem a arriscar, sobretudo quando
encontram alternativas produtivas de menor investimento e menor risco,
como por exemplo o milho.

Com o recente desligamento total e a perspectiva da vinda da nova PAC,
com incertezas que tardam em ser esclarecidas, com um mercado
liberalizado e altamente concorrencial de países com claras vantagens
competitivas, nomeadamente ao nível das suas estruturas de custos, a
produção de tomate poderá ser altamente problemática nos próximos
anos.

Há que tomar medidas que acautelem o futuro da cultura, medidas
politica e decisões estratégicas que possam melhorar a competitividade
industrial e apoios dirigidos aos agricultores que possam compensar os
desequilíbrios de uma concorrência desleal de outros países em que as
exigências laborais e ambientais são menosprezadas.

Os produtores de tomate não querem "ajudas", querem simplesmente que a
sua conta de cultura seja positiva, que possam obter, como em qualquer
sector de actividade, a justa remuneração do seu trabalho e o retorno
do seu investimento. Cabe á industria e aos decisores políticos estar
atentos e criar as condições para a manutenção e expansão de uma
cultura que tem um elevado potencial de exportador e de criação de
valor acrescentado para Portugal.

Ilídio Martins
Presidente da Assembleia Geral da AlenSado

http://www.agroportal.pt/a/2013/ilmartins3.htm

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